Dezembro de 1999. Meu dono, um jovem rapaz de 32 anos, alto funcionário de uma estatal, vendeu três pequenos apartamentos no Rio de Janeiro e veio para Itaipu realizar seu grande sonho, ou seja, de morar numa bela casa. Não poderia imaginar que seu sonho se transformaria no meu pesadelo. Após comprar um terreno no Sítio das Pedras Brancas, bairro Jardim Fluminense em Itaipu, construiu a mais bela casa da rua. Porém a suntuosidade era tanta que surgiu o problema da segurança. Passado uns seis meses em minha nova casa, eu era uma felicidade só. Ah, me lembrei, não disse meu nome: me chamo Bruttos. Você imagina: Cocker Spaniel preto, pêlos macios e sedosos, criado em apartamento até meus dois anos, morar numa casa duplex, cheio de gramadinhos bem aparados, piso de boa qualidade, quintal de mais de 800 m², muitos ambientes em níveis diferentes. Eu era uma felicidade só. Só que as coisas começaram a tomar outros rumos. Meu dono era extremamente tímido, sabia que morava em nossa rua um médico veterinário, porém ele nunca o consultara. Eu comecei a ter a alguns problemas de pele e fui a várias consultas em várias clínicas na região oceânica. Meu corpo só piorava, eram feridas imensas que brotavam em várias partes do meu corpo, com grandes áreas de descamação e infecção secundária. Eu ouvia sempre atento o relato dos veterinários. No meu íntimo, nenhum deles conseguia alcançar o meu interior. Foram vários banhos, dezenas de sabonetes, todos os tipos de xampus e dezenas de medicamentos, porém eu continuava emagrecendo e a situação começou a se tornar insustentável em minha casa, pois o cheiro era muito forte. Até a palavra eutanásia eu ouvi em minha casa, tal era a preocupação e angústia do meu dono. Que eu me lembre, acho que eu fui a uns quatro ou cinco veterinários. Num belo domingo de sol, meu dono descendo pela rua onde eu morava, encontrou com o veterinário nosso vizinho. Desencantado com os rumos do meu tratamento, resolveu chamar este veterinário para me consultar em casa. Foi a minha salvação. Horas depois, o veterinário chegou em minha casa e começou a olhar todo o ambiente inclusive uma companhia que eu tinha, que aliás, eu não suportava. Era um pastor alemão de quatro meses de idade chamado Bethoven, que foi lá para casa com trinta dias. Após me examinar atentamente e examinar todas as receitas dos seus colegas que o antecederam, ele dirigiu-se ao meu dono João da Silva e perguntou:
Quando surgiram os primeiros sintomas?
Mais ou menos há uns três meses.
Eu estava atento ao diálogo do veterinário com o meu dono. Não sei porque mas a sensação que eu tinha é que aquele veterinário iria curar a minha pele.
Você observou algum tipo de alteração no comportamento do Bruttus, após a vinda do Bethoven?
Notei sim. Notei que ele ficou mais deprimido, não aceitava as brincadeiras com Bethoven, parou de circular pela casa, procurava sempre um canto que pudesse evitar o outro.
À medida que o veterinário ia arguindo o meu dono, ia me enchendo de esperança, pois percebia que ele parecia estar no caminho certo. Após examinar atentamente a minha pele e ver como eu me relacionava com o Bethoven , ele começou a ter certeza que a causa da minha doença tinha como de pano de fundo a presença do Bethoven. Um detalhe que lhe chamou muita atenção: em determinado momento, estávamos nós quatro no meio do quintal, meu dono me serviu um pote de ração, imediatamente comecei a comer, porém virei- me de costas para o Bethoven. Esse fato foi marcante nas deduções diagnósticas daquele veterinário. Terminado todos os procedimentos da consulta, o veterinário começou a discorrer: É meu amigo, seu cão está com uma dermatopatia de origem psicogênica. Variadas são as causas, assim como variados são os sintomas, bem como a intensidade, mas pelo seu relato e tudo que eu pude concluir aqui, posso afirmar com certeza que a presença do Bethoven nessa casa foi que desencadeou todo um processo de depressão que tem levado a essa dermatopatia. Só tenho a lamentar que o tratamento dessa doença consiste em primeiro lugar a certeza e a clareza do diagnóstico, bem como a erradicação principal das suas causas, que no caso em questão é a presença de Bethoven. Foi aconselhada a minha internação em sua clínica. Claro, só em ficar longe daquele “mala”, eu adorei a idéia, mas gostei mais ainda quando o veterinário virou-se para o meu dono e disse: o senhor tenta se livrar desse pastor imediatamente, que em uma semana eu estarei com o Bruttus de volta. Quando eu retornei àquela casa e não senti a presença daquele mala eu respirei aliviado. Comecei a percorrer todos os cantos da casa, latia de felicidade e não parava um instante. Aos poucos, meus pêlos foram nascendo, minhas feridas foram secando, as descamações foram cedendo e eu fui recobrando a felicidade de viver naquela casa. Meu dono teve que providenciar todo um sistema de segurança através de câmeras e alarmes e abandonou a idéia de colocar um cão de guarda, pois sabia que traria problemas novamente para a minha saúde. Passado seis meses, minha pele já tinha voltado ao normal e nem parecia que eu havia passado por tudo aquilo.
PS: Esta história, foi verídica, porém o nome dos personagens foram substituídos para preservar suas identidades.
Pedro Nunes Caldas
Médico Veterinário – CRMV 5194
Cirurgião geral e Ortopedista
Diretor do Hospital Veterinário Niterói
Médico Veterinário Cirurgião Geral e Ortopedista
Diretor do HVN Nitéroi
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Parabéns meu querido amigo pelo seu trabalho dedicação e responsabilidade com os nossos amiguinhos de 4 patas ?