Veterinários e os cães abandonados

Quando eu era criança, ouvia nossos pais exclamarem às crianças malcriadas: vou chamar a carrocinha! A criançada tinha o maior pavor.

Nas décadas de 50 e 60 com o argumento de se acabar com a raiva canina, e porque não dizer, a humana, pois morria-se muita gente desta terrível doença, o método usado para o controle populacional dos cães era o recolhimento dos animais das ruas feito por um tipo de carro utilitário apelidado de carrocinha.

Até o final das décadas de 80 e 90 do século passado essa forma de captura fora utilizada nas principais cidades brasileiras, principalmente nas grandes capitais.

Conivência veterinária. Os centros de controle de zoonoses (CCZS) eram ativos na maioria das cidades Brasileiras. Dirigidos por médicos veterinários, esses centros recolhiam os animais e os eutanasiavam em câmara de gás, ou usavam drogas como o curare; os cães eram incinerados em fornos crematórios municipais. A medicina veterinária não tinha a importância como nos dias de hoje. O papel do médico veterinário era de sanitarista, voltado para a saúde pública; lamentavelmente muitos veterinários presenciavam a morte cruel de milhares de cães tirado das ruas. O médico veterinário à época jamais imaginaria que décadas após teriam a importância que tem hoje, cujos profissionais seguiam políticas governamentais, em que se dava muito valor a vida humana mesmo que em contrapartida milhares de cães fossem mortos. O cambão, um madeiro longo com uma alça de couro para laçar os animais, era a ferramenta utilizada; cenas cruéis eram presenciadas por dezenas de transeuntes que se indignavam com aquela imagem bizarra de captura, que causava pavor as crianças. Infelizmente era o método, que até aquele momento não existia outro!  Pode-se discutir e discordar desta política e seu método, mas inquestionavelmente era o Estado se fazendo presente.

 O status da medicina veterinária. Reconhecida em 1968 pela lei 5.517, de 23 de outubro de 1968, a profissão de médico veterinário no Brasil foi reconhecida e veio contribuir para uma mudança impensável, embora lenta, de muitas políticas públicas implementadas à época. Após esse reconhecimento, muitos conselhos estaduais de médicos veterinários, bem como o conselho federal CFMV, passaram a serem ouvidos para a formulação de políticas públicas, não só para o controle de zoonoses, doenças transmitidas de animais para o homem, bem como antropozoonoses, do homem ao animal, assim como outras questões que envolvem a sanidade animal e humana. 

Veterinários de todas as nações contribuíram.

A declaração dos direitos dos animais instituída pela ONU em 27 de janeiro de 1978, veio contribuir para a quebra de paradigmas até então perpetrada por várias políticas de governo, pois, métodos cruéis de captura, bem como de extermínios de animais estavam em desacordo com a declaração dos direitos dos animais, bem como na contramão da evolução humana. A organização mundial de saúde, órgão importante da ONU, preconiza que para a redução de doenças transmissíveis por animais abandonados os governos devem ensejar políticas públicas de redução de animais através de grandes campanhas de castração e posse responsável.  

Importância da medicina veterinária. Há, que se destacar, que a medicina veterinária começa a ganhar importância na sociedade; nas capitais brasileiras surgem as primeiras clínicas e hospitais veterinários; diversas universidades públicas implantam graduação em medicina veterinária; muitas universidades implantam hospitais veterinários e passam a oferecer serviços médicos veterinários a população; a própria residência médica veterinária implantada neste século vem contribuindo para a melhora e qualificação de milhares de profissionais.

O médico veterinário e o mercado Pet. O Brasil é o terceiro maior mercado PET do mundo. Há no Brasil 360 cursos de medicina veterinária reconhecidos pelo MEC. Está em via de ser aprovado o curso de medicina veterinária on-line. O conselho já se manifestou com a resolução nº 1256, se negando a emitir registros no sistema CRMVS. A explosão de consultórios, clínicas, hospitais veterinários, e pet shop Brasil a fora, beira ao canibalismo de mercado.

  A evolução da sociedade brasileira enquanto sociedade moderna, foi abolindo aos poucos, formas de se eliminar animais de rua, bem como sua forma mais cruel de captura. Mas não ofereceu alternativas para acabar com os animais abandonados.  Fruto da pobreza da população; cães e gatos abandonados nas ruas das grandes cidades representam risco à saúde pública.

A saúde pública veterinária. A leishmaniose, filariose, febre do carrapato, leptospirose, exporotricose e a própria raiva, começam dar sinais alarmantes de transmissão, sendo a exporotricose, leishmaniose e doença do carrapato zoonoses de introdução recente. Os CCZS, centros de controles de Zoonoses, onde abriga o maior quantitativo de médicos veterinários perderam estruturas ao encerrarem por completo o trabalho de retirada de animais das ruas; relegando esse papel à sociedade, que através de ONGS, e redes de solidariedade de protetores realizam esforços hercúleos para manter cães e gatos dentro dos lares brasileiro. O Papel do médico veterinário. Os médicos veterinários teriam um papel importante no esforço conjunto para mitigar a mazela dos cães abandonados das cidades em nosso país, bem como outras correlatas à saúde pública, são mais de 220 mil médicos veterinários inscritos nos conselhos e outros 150 mil cursando a graduação em medicina veterinária em todo país. O que causa estranheza é o MEC permitir representantes de faculdades particulares com assento no conselho consultivo em que se analisa o reconhecimento e permissão de funcionamento de muitas empresas educacionais, cujo foco principal é o lucro; essas empresas vivem à custa dos FIEIS e PRO-UNI, onde a inadimplência é zero. Em contra partida elas não cumprem com as reais exigências de funcionamento, por sua vez o MEC, além de não possuir estrutura fiscalizadora, faz vista grossa a esses descumprimentos. Tenho conhecimento de alunos em vias de concluir a graduação em medicina veterinária, que ainda não cursou matérias do primeiro período. Se todas as faculdades de medicina veterinária existentes no país, fossem obrigadas a possuírem hospitais veterinários com estrutura adequada a grade curricular e atividades extra classe, poderiam ser criados com incentivos de diversas entidades, ONGS, fundações, estados e prefeituras extensos programas de castração de animais. Além de trazer benefícios como adestramentos de alunos em cirurgia veterinária, contribuiria para diminuir o número de animais abandonados, concomitantemente, programas de posse responsável tais como wokshoping com ciclos de palestras, vídeos institucionais com apoio de empresas do mercado pet e grandes mutirões de castração em fins de semana nos hospitais universitários, livraria as cidades de muitos animais abandonados; a medicina veterinária e a saúde pública agradeceriam.                       

Dr.Pedro Caldas
Médico Veterinário Cirurgião Geral e Ortopedista
Diretor do HVN Nitéroi
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